sábado, 19 de maio de 2012

HULIMASE GOSSON E OUTROS - AUTORIA DE ANNA MARIA CASCUDO BARRETO.

ANNA MARIA CASCUDO BARRETO

HULIMASE GOSSON E OUTROS
Por Anna Maria Cascudo Barreto (*)

Hulimase, Jamyle... quando repetia esses nomes, separando as sílabas, na minha adolescência, sentia algo musical, tons exóticos no meu universo ocidental. Foi minha tia materna, Maria Leonor Freire, irmã mais velha da doce Dhalia, quem apontou o caminho até as duas artesãs da beleza. Fiquei pasma com as hábeis estilistas, com seus plissés e pregas. Aluna do Colégio da Imaculada Conceição havia necessidade de uma apresentação perfeita; saia azul de pregas e blusa e nervuras impecáveis. Tanto para as fardas diárias quanto para os dias de gala. Tia Yaya, ex-freira, entendia do assunto. Encantaram-me o estilo gracioso, a sutil criatividade e bom gosto. A moda dos anos 50 e 60 - e depois 70, por que não? - exigia talhe fino e saias amplas. A natureza me premiou com tronco esbelto. Podia abusar dos cintos largos, dos plissados denominados “soleils” dos godês. Meus pais não possuíam automóvel, e todas as minhas saídas - normais da idade e da época – para o colégio, missas, cinemas, aniversários, festinhas, visitas, eram feitas a pé; ou no máximo, acompanhando meus pais ou irmão, de ônibus ou táxi. Andando e subindo ladeiras, tinha pernas ágeis, cinturinha fina, seios e quadris firmes. Até as fantasias de Carnaval, copiadas das primas ricas e queridas, Maria Cristina, Aída Helena e Inês Letúzia La Grega, e o traje de borboleta e de Ana do Pastoril foram obras de Hulimase. Ela também sugeria modificações, reforma das toaletes herdadas. Sempre procurei um estilo pessoal, uma marca única. Hulimase entendia e conseguia essa simbiose misteriosa. Os trajes se tornavam parecidos comigo, perdendo aquele toque das doadoras.

Hulimase e Jamyle foram pioneiras em métodos até então desconhecidos dentre as elegantes da província. Tinham máquinas, mas abusavam da essência estilosa . Habilidades que trariam do sangue árabe, vindos dos cedros do Líbano, atualizados com o glamour tropical natalense. Anos se passaram, fiz vestibular, tornei-me acadêmica de Direito. A moda girou, surgiram modelos diferentes. Mas quando verifiquei a velha bata que usaria no fórum da Ulisses Caldas, no meu primeiro júri como Adjunto de Promotor, voltei a procurar Hulimase, reclamando da falta total de charme, mesmo emocionada com a oportunidade que entraria para a história do Estado. Como diria Luís da Câmara Cascudo: “Mulher nunca deixa de ser mulher!”. Lavagens a seco, novas pregas, um laço displicente, a jovem defensora da sociedade se sentiu a altura dos inúmeros fotógrafos, das cidades e dos estados vizinhos, que documentaram a primeira mulher atuando em Natal como Promotora da Justiça, no meio dos professores e conseguindo a vitória sob o olhar emocionado dos pais e colegas. A ocasião mereceu um agrado de Hulimase, ela que era de poucas palavras e muito discreta. Quando fui efetuar o pagamento pelos seus serviços, recebi um pacote que aberto revelou gostosos quibes e charutos árabes. Um bilhete, escrito a lápis, resumia sua opinião: -“parabéns, você vencerá”.

O relacionamento com Jamyle era uma visão de relance. Parecia-me sempre muito ocupada com afazeres domésticos. Mas registro sua permanente educação, seus modos gentis. Tinha uma palavra bonita quando me recebia.

A vida é um círculo de acontecimentos. Depois de formada, fui designada para São Gonçalo do Amarante/RN. Embora próxima da capital, havia o receio de passar pela ponte sobre o Rio Potengi, que emitia ruídos apavorantes: pelo menos aos meus ouvidos. Mas o povo me conquistou. Fui profundamente feliz com a primeira Promotora de São Gonçalo do Amarante. Lá encontrei, como Juiz, José Gosson, irmão de Hulimase. Fomos companheiros de trabalho numa jovem Comarca. Recebemos os primeiros títulos de cidadania e honras especiais. Poti, Iraci e seus filhos me proporcionaram uma vida em família pela primeira vez longe de casa. Chegava à segunda e regressava somente na sexta. Quantas experiências jurídicas e humanas enriqueceram a minha existência!

Finalmente hoje participo já como escritora e acadêmica da União Brasileira de Escritores na sua diretoria. Encontro Eduardo Gosson, poeta e escritor, um batalhador cultural. Vejo-o como a síntese da família, naquilo que eles possuem de mais sólido. Seu sobrenome significa “árvore frondosa” em árabe. Ele é o somatório das virtudes adquiridas em terras brasileiras. Tem a simplicidade dos múltiplos, o brilhantismo dos modestos. Um líder, descobridor e incentivador de talentos. Incapaz de um sentimento menor. Pai amantíssimo. Avô fascinado. Excelente marido. Amigo como poucos.

Surgiu na vida como um sol que não admite sombras nem se deixa tolher pelas tempestades. Vive buscando a luz do paraíso da igualdade. Seu corpo frágil disfarça o gigante de esperanças. Pássaro que voa feliz apesar das correntes de ar contrárias. Acredita, como Esopo (século VI a.C.” ) que “a união faz a força”. Seu comunismo resulta no amor ao próximo. Sem buscar recompensas. Sua meta é erguer pontes quando só existiam paredes.

Natal/RN, 2 de maio de 2012.
Anna Maria Cascudo Barreto,
*Escritora, Acadêmica, membro da UBE, presidente do Instituto Câmara Cascudo.

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